Entidade presidida por irmão de deputado do PT foi a que mais recebeu dinheiro do INSS

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Principal representante dos trabalhadores rurais, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) recebeu R$ 3,6 bilhões em repasses da Previdência Social nos últimos dez anos.

O montante, fruto de Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) que permitem descontos nos contracheques de aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), é o maior entre todas as entidades conveniadas à Previdência.

Somente entre janeiro e abril deste ano, os repasses à entidade somaram R$ 148,9 milhões. No mesmo período de 2023, o valor foi ainda maior: R$ 151,5 milhões, segundo dados do Portal da Transparência.

A Contag é uma das onze entidades investigadas na operação Sem Desconto, deflagrada em abril pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União (CGU) para apurar suspeitas de descontos não autorizados em benefícios do INSS. Seu presidente, Aristides Veras dos Santos, é irmão do deputado federal Carlos Veras (PT-PE), atual primeiro secretário da Câmara dos Deputados.

                                                    Aristides Veras dos Santos                                Carlos Veras (Deputado Federal PT)

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Principal representante dos trabalhadores rurais, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) recebeu R$ 3,6 bilhões em repasses da Previdência Social nos últimos dez anos.O montante, fruto de Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) que permitem descontos nos contracheques de aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), é o maior entre todas as entidades conveniadas à Previdência.Somente entre janeiro e abril deste ano, os repasses à entidade somaram R$ 148,9 milhões. No mesmo período de 2023, o valor foi ainda maior: R$ 151,5 milhões, segundo dados do Portal da Transparência.A Contag é uma das onze entidades investigadas na operação Sem Desconto, deflagrada em abril pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União (CGU) para apurar suspeitas de descontos não autorizados em benefícios do INSS. Seu presidente, Aristides Veras dos Santos, é irmão do deputado federal Carlos Veras (PT-PE), atual primeiro secretário da Câmara dos Deputados.Militante histórico, Aristides teve papel importante na estruturação do Partido dos Trabalhadores (PT) no Nordeste, nos anos 1980. Sua trajetória no sindicalismo rural inclui cargos em federações estaduais, na Central Única dos Trabalhadores (CUT) e, desde 2017, na presidência da Contag.A entidade, fundada em 1963, tem histórico de atuação na luta pela reforma agrária, na organização dos trabalhadores rurais e na formulação de políticas públicas para o campo. Programas como o Pronaf e iniciativas voltadas à agroecologia contaram com sua participação. A Marcha das Margaridas, realizada desde o ano 2000, é outro marco da entidade, vitrine da aliança entre os governos petistas e movimentos do campo.Durante sua gestão, Aristides criticou o desmonte de políticas públicas nos governos Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), mas manteve o foco em pautas históricas da entidade, como a Previdência rural, a agricultura familiar e a reforma agrária. Com o retorno de Lula à Presidência, em 2023, o dirigente retomou o diálogo institucional e passou a reivindicar a reestruturação das políticas rurais por meio do Ministério do Desenvolvimento Agrário.Repasses à entidade foram constantes desde 2016Apesar das mudanças no cenário político, a Contag não deixou de receber repasses públicos por meio de convênios com o INSS. Os valores repassados à entidade pelo INSS e pelo Fundo do Regime Geral da Previdência Social aumentaram e superam — às vezes em dobro — os destinados a outras entidades.Os R$ 336,7 milhões recebidos em 2016 saltaram para R$ 413,6 milhões em 2022, último ano da gestão Bolsonaro. No governo Lula 3, os repasses foram ainda maiores, de R$ 435,3 milhões em 2023 e R$ 446,5 milhões em 2024.R$ 3,6 Bilhões em Dez Anos A Contag foi a entidade que mais recebeu dinheiro de aposentados e pensionistas. Nos últimos dez anos, os repasses somaram R$ 3,6 bilhões.Valores repassados pela União à Contag Em R$ milhõesO Tribunal de Contas da União (TCU) destacou a constância de repasses em relatório que fundamentou a operação da Polícia Federal. Diferentemente de entidades que apresentaram crescimento repentino nos últimos anos, a Contag já recebia grandes volumes desde 2016, sinalizando uma presença antiga e estruturada no sistema de descontos em folha.Segundo relatório da CGU, a Contag teve o maior número de beneficiários com descontos de mensalidade associativa no primeiro trimestre de 2024: 1.348.969 pessoas, número muito superior ao das demais entidades.Uma auditoria do órgão apontou que, entre janeiro de 2019 e março de 2024, a entidade recebeu R$ 2 bilhões em descontos de aposentados e pensionistas do INSS.Conforme o relatório da CGU, 97,6% dos aposentados e pensionistas que sofreram descontos – na soma de todas as entidades – disseram não ter autorizado os débitos. Em uma amostra específica relacionada à Contag, de seis entrevistados pela CGU, cinco negaram ter autorizado o abatimento, o que representa 83,3% — um índice elevado, embora inferior à média geral. Ainda segundo a CGU, a Contag apresentou o menor percentual de pedidos de exclusão de desconto entre os beneficiários: apenas 2% no primeiro trimestre de 2024.PF aponta irregularidades em desbloqueio de descontosA Polícia Federal identificou que Aristides Veras dos Santos, o presidente da Contag, assinou um ofício solicitando ao INSS o desbloqueio em lote de 34.487 benefícios previdenciários para permitir descontos associativos — procedimento considerado irregular por auditoria interna do instituto, por não apresentar comprovação individual de autorização.O desbloqueio foi justificado por dificuldades técnicas enfrentadas pelos beneficiários no uso do aplicativo do INSS. Mas uma auditoria posterior constatou que apenas 213 pessoas efetivamente aguardavam o desbloqueio.“Houve desbloqueio de 34.487, sem avaliação pelo INSS, sendo que do total de benefícios desbloqueados, havia pedidos efetuados pelos beneficiários, seja de bloqueio, desbloqueio ou mesmo de exclusão de desconto associativo”, afirma o relatório da PF.A PF também apurou, com base em relatórios do Coaf – que monitora transações financeiras suspeitas –, que a Contag repassou aproximadamente R$ 26 milhões a federações, sindicatos, empresas de turismo, eventos e culinária, além de pessoas físicas, levantando suspeitas sobre possível uso indevido dos recursos descontados dos beneficiários.Ainda segundo o relatório, aposentados do setor rural – mesmo público dos associados à Contag – foram os mais atingidos pelos descontos indevidos, considerando o conjunto das entidades conveniadas ao INSS: 67% das contribuições associativas no país foram cobradas desse grupo, ante 33% de aposentados urbanos.Contag nega irregularidades e alega “atuação legítima”Em nota, a Contag afirma ser “erro grosseiro” colocá-la no mesmo patamar de entidades com indícios de irregularidades. Diz que os descontos foram autorizados pelos associados e que os pedidos de desbloqueio foram feitos em decorrência de entraves criados pelo Decreto 10.410/2020, que passou a exigir autorização prévia.A entidade afirma que denunciou práticas abusivas contra aposentados ao INSS e negou qualquer vínculo entre o mandato do deputado Carlos Veras e os convênios firmados.Carlos Veras, por sua vez, declara que seu mandato “tem origem na agricultura familiar e no movimento sindical rural, trajetória que compartilha com o irmão, Aristides Santos”, e definiu sua relação com a Contag como “pública, legítima e baseada em princípios de luta social, solidariedade de classe e compromisso com as pautas do campo”.Colaboraram Juliet Manfrin e Fernando Jasper

Militante histórico, Aristides teve papel importante na estruturação do Partido dos Trabalhadores (PT) no Nordeste, nos anos 1980. Sua trajetória no sindicalismo rural inclui cargos em federações estaduais, na Central Única dos Trabalhadores (CUT) e, desde 2017, na presidência da Contag.

 

A entidade, fundada em 1963, tem histórico de atuação na luta pela reforma agrária, na organização dos trabalhadores rurais e na formulação de políticas públicas para o campo. Programas como o Pronaf e iniciativas voltadas à agroecologia contaram com sua participação. A Marcha das Margaridas, realizada desde o ano 2000, é outro marco da entidade, vitrine da aliança entre os governos petistas e movimentos do campo.

Durante sua gestão, Aristides criticou o desmonte de políticas públicas nos governos Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), mas manteve o foco em pautas históricas da entidade, como a Previdência rural, a agricultura familiar e a reforma agrária. Com o retorno de Lula à Presidência, em 2023, o dirigente retomou o diálogo institucional e passou a reivindicar a reestruturação das políticas rurais por meio do Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Repasses à entidade foram constantes desde 2016

Apesar das mudanças no cenário político, a Contag não deixou de receber repasses públicos por meio de convênios com o INSS. Os valores repassados à entidade pelo INSS e pelo Fundo do Regime Geral da Previdência Social aumentaram e superam — às vezes em dobro — os destinados a outras entidades.

Os R$ 336,7 milhões recebidos em 2016 saltaram para R$ 413,6 milhões em 2022, último ano da gestão Bolsonaro. No governo Lula 3, os repasses foram ainda maiores, de R$ 435,3 milhões em 2023 e R$ 446,5 milhões em 2024.

R$ 3,6 Bilhões em Dez Anos
A Contag foi a entidade que mais recebeu dinheiro de aposentados e pensionistas. Nos últimos dez anos, os repasses somaram R$ 3,6 bilhões.

 

Valores repassados pela União à Contag
Em R$ milhões


*até abril –  Fonte: Portal da Transparência

 

O Tribunal de Contas da União (TCU) destacou a constância de repasses em relatório que fundamentou a operação da Polícia Federal. Diferentemente de entidades que apresentaram crescimento repentino nos últimos anos, a Contag já recebia grandes volumes desde 2016, sinalizando uma presença antiga e estruturada no sistema de descontos em folha.

Segundo relatório da CGU, a Contag teve o maior número de beneficiários com descontos de mensalidade associativa no primeiro trimestre de 2024: 1.348.969 pessoas, número muito superior ao das demais entidades.

Uma auditoria do órgão apontou que, entre janeiro de 2019 e março de 2024, a entidade recebeu R$ 2 bilhões em descontos de aposentados e pensionistas do INSS.

Conforme o relatório da CGU, 97,6% dos aposentados e pensionistas que sofreram descontos – na soma de todas as entidades – disseram não ter autorizado os débitos. Em uma amostra específica relacionada à Contag, de seis entrevistados pela CGU, cinco negaram ter autorizado o abatimento, o que representa 83,3% — um índice elevado, embora inferior à média geral. Ainda segundo a CGU, a Contag apresentou o menor percentual de pedidos de exclusão de desconto entre os beneficiários: apenas 2% no primeiro trimestre de 2024.

PF aponta irregularidades em desbloqueio de descontos

A Polícia Federal identificou que Aristides Veras dos Santos, o presidente da Contag, assinou um ofício solicitando ao INSS o desbloqueio em lote de 34.487 benefícios previdenciários para permitir descontos associativos — procedimento considerado irregular por auditoria interna do instituto, por não apresentar comprovação individual de autorização.

O desbloqueio foi justificado por dificuldades técnicas enfrentadas pelos beneficiários no uso do aplicativo do INSS. Mas uma auditoria posterior constatou que apenas 213 pessoas efetivamente aguardavam o desbloqueio.

“Houve desbloqueio de 34.487, sem avaliação pelo INSS, sendo que do total de benefícios desbloqueados, havia pedidos efetuados pelos beneficiários, seja de bloqueio, desbloqueio ou mesmo de exclusão de desconto associativo”, afirma o relatório da PF.

A PF também apurou, com base em relatórios do Coaf – que monitora transações financeiras suspeitas –, que a Contag repassou aproximadamente R$ 26 milhões a federações, sindicatos, empresas de turismo, eventos e culinária, além de pessoas físicas, levantando suspeitas sobre possível uso indevido dos recursos descontados dos beneficiários.

Ainda segundo o relatório, aposentados do setor rural – mesmo público dos associados à Contag – foram os mais atingidos pelos descontos indevidos, considerando o conjunto das entidades conveniadas ao INSS: 67% das contribuições associativas no país foram cobradas desse grupo, ante 33% de aposentados urbanos.

Contag nega irregularidades e alega “atuação legítima”

Em nota, a Contag afirma ser “erro grosseiro” colocá-la no mesmo patamar de entidades com indícios de irregularidades. Diz que os descontos foram autorizados pelos associados e que os pedidos de desbloqueio foram feitos em decorrência de entraves criados pelo Decreto 10.410/2020, que passou a exigir autorização prévia.

A entidade afirma que denunciou práticas abusivas contra aposentados ao INSS e negou qualquer vínculo entre o mandato do deputado Carlos Veras e os convênios firmados.

Carlos Veras, por sua vez, declara que seu mandato “tem origem na agricultura familiar e no movimento sindical rural, trajetória que compartilha com o irmão, Aristides Santos”, e definiu sua relação com a Contag como “pública, legítima e baseada em princípios de luta social, solidariedade de classe e compromisso com as pautas do campo”.

Colaboraram Juliet Manfrin e Fernando Jasper